18 de abril de 2023

Só este tempo...

A meteorologia pode ser uma boa base para criar assunto. A meteorologia pode ser científica, poética, utilitária e todos, nalgum momento, abordamos o tema.

Em Moçambique não é excepção, sendo aliás assunto quase obrigatório em conversas de circunstância. A expressão que aqui se usa torna-se curiosa. Quando duas pessoas se encontram:

P: Bom dia, tudo bem?

R: Tudo. Só este tempo…

E na sequência do “só este tempo” surgem diversas variantes:

1. Se o sol está forte, “Só este calor que não dá para respirar”

2. Se chove é a vez de dizer: “só esta chuva que não anima”

3. Se é vento: “só esta ventania que levanta poeira”

4. Etc...

O queixume parece sempre ter argumento e quem está na conversa aparentemente entende-se bem. Uns a lamentar, outros a escutar.

Uma vez tentei intervir num destes diálogos, quando alguém disse “só este calor” eu tentei fazer a piada “mas porquê, há outro calor?”, tentando satirizar com o facto de, não havendo alternativa, resolvido está. Bebe-se mais água e veste-se roupa mais fresca, pensava eu na minha cabeça lógica.

Claro que a piada caiu mal. Tinha aberto uma janela onde todos queriam manter acesa a vela das lamentações. Fui olhado de lado e sem qualquer argumento, de acusação ou defesa, nem a mímica me valeu para tentar desbloquear o incidente. Não volto a desestabilizar o assunto. Lição aprendida...

Continuando a aprender, ouvi as várias modalidades de reclamação em função da meteorologia, e houve uma pérola que me fez escrever este texto.

Quando ouvi alguém dizer: “só este tempo, que não se decide, de manhã frio, durante o dia este calor” senti a angústia de quem queria reclamar, não tendo como. 

Parecia um fadista em pose de cantar, mas a quem o som não lhe saía da boca...

11 de janeiro de 2023

Espaço para todos

 Eu consigo passar horas sem fim a observar a vida selvagem ao vivo. Ainda hoje não sei explicar porquê. Numa visita a qualquer reserva eu sou o “chato” do grupo que observa as pistas, os pequenos animais, os cocós, os trilhos (vazios), a vegetação.

Uma vez em pleno Kruger estacionei o carro aleatoriamente e desliguei o motor, à espera do que pudesse vir a acontecer. A paisagem era savana seca, extensa, sem qualquer sinal de seres vivos. A Yumi, naturalmente, olhou para mim de lado e perguntou: “A sério? Aqui? Porquê?”. O engraçado é que a resposta apareceu de imediato, emergindo do meio do capim, uma chita a perseguir uma gazela, em cena “National Geographic”. Não tive nem tempo de responder à Yumi, nem de fotografar. Confiei a recordação na minha memória.

Para mim, a vida selvagem é o puro exemplo de vida, de existência, com inúmeras analogias à vida humana. Só que nós complicamos muito.

 Desta vez o passeio foi na reserva especial de Maputo.


 Ao chegar ao terreno do visitado sentimos bem a sensação de visitante, com olhares a estranharem cápsulas metálicas fumegantes com animais de cheiros estranhos no interior.



 O elefante, uma atracção especial da reserva, é o tipo de animal que só quer paz e comer. Tolera visitantes até abanar as orelhas ou raspar o chão com uma das patas dianteiras. Aí sabemos que estamos a perturbar alguma coisa. Melhor sair.


 Especial atenção se há crias por perto. Um elefante destes em fúria vira um carro…



 A pacífica girafa é desengonsada, elegante, com padrão de pele único, pescoço desproporcional e lingua feia. Ao atravessar a estrada faz várias paragens a olhar para nós, anunciando a sua passagem (ou precavendo-se de alguma fuga necessária). Uma linguagem silenciosa, mas suficiente.



 O nome de “boi-cavalo” carcateriza bem este animal, misto entre boi, com seus cornos e cavalo, com a destreza no trote. Quer paz, mas se muito incomodado vira besta, besta selvagem (do nome em Inglês, wild-beast).



 Os “cavalos de pijama” são absolutamente pacíficos...até a irritação alheia exigir um coice. São, por natureza presas, mas com técnica apurada de confundir os predadores. Se as zebras se juntarem, o potencial atacante fica baralhado com a mancha do padrão preto e branco e não distingue facilmente uma presa solitária para atacar. Inteligência de grupo...



 O pachurrento, mas traiçoeiro hipopótamo. Tem fama de ser o animal mais perigoso de África, o pacífico herbívoro. Uma boa prática é manter-nos fora do caminho deste gordinho fofinho de centenas de quilos.





 De surpresa apanham-se alguns animais que entre o receio e a curiosidade ficam estáticos a olhar para nós, de câmara em punho. Se ficarmos algum (demasiado) tempo, invariavelmente esta bicharada dispersa para as suas vidas.



 Uma lição de física e sobrevivência aparece quando vemos este pássaros amarelos. Fazem os seus ninhos no topo de longas e finas ervas, fazendo-nos desconfiar da estabilidade e durabilidade das suas casas. Mas olhando para o solo de onde nascem essas ervas, vemos pântano, certamente povoado por diversos predadores de pássaros. Aí compreendemos a escolha do local para fazer o ninho e deliciamo-nos com o chilrear da azáfama diária.  


 No acampamento, já fora das cápsulas metálicas que nos levaram até ali, é a vez de ver os animais mais pequenos. Alguns deles nunca dantes vistos. Outros desejando nunca mais ver...



 Osgas camufladas




 Sapos psicadélicos. Alguns deles encontramos e depedimo-nos deles na mesma posição, indeferentes a nós, a caçar mosquitos.



 Quando a Yumi disse “está aqui um carangueijo preto”, eu desconfiei. Nunca, na TV ou em leituras, vi um caragueijo preto. Ao tentar pensar o que poderia ser tal espécie só me ocorreu uma: escorpião! O que se veio rapidamente a verificar...uma escorpião do tamanho duma mão que só tinha visto na televisão. Com aquelas pinças entendi a semelhança ao carangueijo, mas aquela cauda, aquela cauda...inconfundível...


 São vários os bichinhos que desconheço. E quando assim é, sigo a máxima “não sabes o que é, não mexe”, mesmo tentando não mexer nos que conheço, para não perturbar o eco-equilíbrio. Este era uma espécie de barata corpolenta ou camarão com pernas…



 Como estamos no verão, é altura de todos os bichos sairem da hibernação. Incluindo este exemplar que, confesso, representa o meu kryptonite. Lindas, elegantes, silenciosas...por vezes dolorosas e eventualmente mortíferas. Esta verdinha caiu dum tronco quando estávamos perto. Penso que a minha reacção com cobras é a minha salvação. Fiquei absolutamente congelado, a mexer apenas os olhos para ver onde a cobra ia depois de tocar no chão. Tão assustada como nós, zarpou na direcção oposta num zigue-zague sensual e brilhante.



Indo para a praia...o que pode acontecer?



Pode o mar estar repleto de alforrecas “garrafas-azuis” ou “caravela portuguesa” (curioso nome este, hã?). Ondulando ao ritmo da maré, navegam pacificamente nas suas vidas. Acho-as lindas, com cores fortes, corpo transparente e tentáculos...bem cuidado com os tentáculos. Praticamente transparentes quando estão dentro de água, apenas sentimos a passagem duma “faca” quando nos toca. A irritação pode, no entanto, sair facilmente com chichi, limão ou vinagre. Escolha a da sua preferência ou conveniência.



Como a maré estava favorável para as alforrecas (noutras marés e noutros ventos elas desaparecem) deliciamo-nos com a piscina...



...e da piscina podemos apreciar os golfinhos saltitões, cujo dorso brincalhão se distingue do dorso estável e ziguezagueante do tubarão.



 A escola foi boa para os miúdos. Há uns dias o Leo viu uma Maria Café de pernas laranja. Parou, apontou o dedo e perguntou “esta é venenosa papá?”. Não era, mas fiquei muito feliz pelo nível de alerta e relatividade que desenvolveu...


 A semelhança com a vida humana deixo-a à vossa análise.

 

12 de outubro de 2022

Flashes coreanos


Às vezes os primeiros embates culturais aparecem nas necessidades mais básicas. Um calor tropical (sim, na Coreia, no verão, o clima oferece 35º com 90% de humidade) e eu a olhar, imóvel, para os comandos da ventoínha, provavelmente o electrodoméstico mais básico que há.  



Os avisos de WiFi grátis são em qualquer parte do país (este exemplo num autocarro). Eu desconfio que algumas árvores já devem emitir sinal, pois, por vezes, para nos ligarmos temos opção de 3 ou 4 redes grátis à nossa volta.

 



 A grande tendência do momento (o oriente tem sido profícuo no lançamento de tendências) são os Robôs. É vê-los a deslizar por toda a parte, lentos mas persistentes. Este, à entrada duma estação de autocarros, deu-me ordens num Coreano tão fluente que precisei de tradução:

- Coloque a sua máscara?

- O quê? Desculpe?

- Coloque a sua máscara?

- Ah ok, a máscara na cara. Ok...bom dia, como está? - digo eu a tentar quebrar o gelo

- A medir a temperatura – responde ele alheio à minha tentativa de aproximação – temperatura normal, pode prosseguir.

Dizem os cientistas que os robôs vieram para ficar e que o segredo da adaptação humana a essa tecnologia está na relação que se irá criar entre homem e robôs. “Ouviste, monte de lata?”. Comecei mal a minha primeira relação com computadores sobre rodas...


Uma séria produção, empenho dos artistas e audiência de centenas de pessoas para um espectáculo de K-POP...na rua! Deve ser aqui que começam as ambições para voar para o estrelato...então nada é deixado ao acaso.





 O ritmo K-POP parece descer aos
 corredores do metro, nas profundezas da cidade de Seoul. Como todos andam apressados, por vezes com os olhos postos nos smartphones, nada como colocar semáforos para orientar o trânsito de ….pessoas….



É difícil colocar por palavras o conceito de “Kids Cafe” na Coreia. Nas primeiras impressões é: Cores, luzes e música. Nas segundas impressões é barulho, ambiente psicadélico e crianças em êxtase. Nas terceiras e últimas impressões é: “Que se lixe...as crianças divertem-se à brava…!”. Trampolins, baloiços, piscinas de bolas, jogos de cordas, brinquedos diversos...o paraíso para crianças que durante horas correm, saltitam, suam, gritam, dançam, em ambiente fechado, ao abrigo das vontades climatéricas.

Não é propriamente o meu ideal de local de brincadeira, que prefiro o ar livre, mas uma vez que já cresci, acho que perdi voto na matéria.




 A verdade é que alguns pais aproveitam para relaxar, para pôr a conversa em dia ou mergulhar o rosto no ecrã dum smarphone.







Agora vamos à praia, embora com diferentes abordagens. Eu ponho protector solar e estou pronto. A minha querida sogra põe protector solar, camisola, máscara, chapéu e luvas. Os coreanos, no geral, detestam bronzear-se (frase redundante para a constatação com base na fotografia). A minha sogra adora praia, mas pura e simplesmente gosta de ir vestida!

São poucos os dias de férias dos Coreanos que, quando as têm, querem tudo organizado e preferem locais muito movimentados, por outros Coreanos, igualmente de férias. O critério de ser um local movimentado é a garantia de que é bom e confiável. Não há tempo, nem paciência para explorar locais remotos.




A praia parece, por isso, um parque de estacionamento de pessoas, com a distribuição geométrica de chapéus de sol.


Chapéus e balcões familiares. Tudo organizado, tudo cheio de gente.

Na água também. Repito: os dias de férias são poucos, de maneira que a rotina é alugar boias e ir para a água tirar selfies para registar as férias...todos ao mesmo tempo pois o tempo é escasso..e no dia seguinte já começam a partilhar as fotos da férias, do dia anterior.




Quando passa a hora de expediente do turista, instala-se a calma e a praia esvazia finalmente. Como as auto-caravanas são uma novidade na Coreia do Sul, ainda não há muitas restrições sobre onde se pode estacionar. Assim, tivemos direito a estacionamento de primeira linha com vista privilegiada.



 Mas engane-se quem pensa que são apenas chapéus de praia. Reparem no menu em cada um deles. É isso, abre-se a sombra e expõe-se o menu e contacto do restaurante mais próximo. Nalguns minutos a comida pode ser entregue...no chapéu. Eficiência e dinâmica da Coreia do Sul.



Aproveitando a mobilidade que a auto-caravana nos deu, circulámos, beneficiando de mais alguns dias de férias do que a maioria dos Coreanos, pelas estradas da ilha de Jeju.








 E abrimos a cortina do “remoto” na ilha, com pouca gente e beleza aumentada.




Pouca gente, até o icónico momento que é o nascer do sol no leste da ilha. Neste local afluem dezenas de pessoas, antes do amanhecer, munidas de câmaras fotográficas e tripés. Fui acordado pelo murmurar dos fotógrafos que aguardavam o nascimento do sol.  

Felizmente estava nublado e assim como apareceram, desapareceram repentinamente os fotógrafos, irritados com a teimosia do sol, que não apareceu quando eles queriam. A resmungar, provavelmente com a agenda de férias apertada, saíram despontados com a falta de sincronização do sol...com as suas férias!

Se conseguissem esperar mais um pouco teriam recebido a prenda que o sol guardava, um pouco mais acima do horizonte.



No mesmo local, à noite, o que parece o nascimento de dezenas de luas ao mesmo tempo no horizonte, são na verdade dezenas de barcos na pesca da lula. Um espectáculo artificial, mas nem por isso desinteressante. Jantamos com vista...para holofotes a boiar...  



 A comida. A comida Coreana é um mundo. Tendo ido à Coreia uma série de vezes, ainda fico encantado com a variedade, o ritual e os sabores da comida coreana.



 Prometo dedicar um post a este fenómeno no futuro...merece...




21 de agosto de 2022

Reflexão Urbana

Hoje trago uma reflexão.

Eu ainda não tenho decisão sobre o assunto e a minha opinião tem flutuado ao longo do tempo.

Um dos primeiros impactos que temos na Coreia do Sul são os grandes edifícios de habitação. Geralmente com mais de 20 andares e vários apartamentos por andar, chega-se facilmente a 100 ou 200 casas por edifício. O aspecto, visto de fora, é uma colmeia geométrica que facilmente se classifica com uma única palavra: HORRÍVEL.





 As mudanças de casa nestes edifícios, para não privar os vizinhos de usar os elevadores, nem fazer longas caminhadas pelas escadas com móveis às costas, fazem-se por elevadores exteriores. A grua gigante leva mobílias, elecctrodomésticos e caixotes lá para cima, entrando tudo pela janela.


 A geometria repetitiva mantêm-se na hora de gerir o correio das casas, quase que exigindo ter um mapa para encontrar cartas.



 O aspecto geral, no entanto, é de uma floresta urbana, cinzenta, fria e com movimento permanente nas estradas.



 Mas mudemos de perspectiva. Vamos tirar o foco dos edifícios e entender que:

  1. Os Coreanos são 60 milhões, num espaço equivalente ao de Portugal. Ou seja, para imaginar isto, em cada rua, autocarro ou café, multiplique o número de pessoas que vê por 6;

  2. Os Coreanos gostam das coisas organizadas e tentam manter o padrão de modernidade em alta;

  3. Os invernos são frios, com temperaturas de -10ºC a manterem-se durante vários dias e os sistemas de aquecimento em grande escala ficam mais baratos de manter.


Com o andar do tempo percebe-se que este tipo de urbanização tem uma boa lógica e é esta lógica que tem esculpido a minha opinião.

 O que é urbano é denso, mas organizado, satisfazendo a necessidade de milhares de pessoas. Fora da área urbana, mantêm-se espaços verdes, igualmente organizados, para proporcionar espaços de lazer, pulmões de ar e habitat de vários seres vivos.

Vejamos então como reinterpretar o inicialmente horrível:

Mancha urbana rodeada de verde.



Geometria urbana, onde já se pode ver a integração de vários elementos, como construções, vias largas e parques de lazer. Entendo que a geometria é discutivel. Pessoalmente tendo a gostar mais de cidades com fluxo mais orgânico, mas concentremo-nos no conteúdo.



Organização eximia, fazendo lembrar os manuais de boas práticas da urbanização. Circulação, passeios largos, ciclovias, sinalização.

Não me lembro de ver engarrafamentos...



 

Zona comercial condensada...e de que maneira. Os edifícios comerciais são geralmente mais baixos, mas oferecem uma tal diversidade de serviços que faz parecer que quando atravessamos a fachada, entramos numa nova cidade. Por exemplo, fiquei surpreendido com o número de clínicas num só bairro. Cheguei a ver um dentista em cada quarteirão. Clínicas comparticipadas pelo estado, de qualidade e atendimento rápido.


 À noite, as zonas comerciais transformam-se num festival de neons.  



Agora vamos aos pormenores.

Para mim, o “horrível” das janelas dissipa-se quando em cada bloco de apartamentos, existe um parque infantil em condições.




 Os edifícios não desaparecem do horizonte (seria difícil escondê-los), mas será que as crianças reparam neles quando brincam em mini cidades de divertimento?



 Em quase todas as passadeiras, nos meses de intenso calor (Julho e Agosto), existem sombras que abrem e fecham automaticamente em função das condições climatéricas.



Nos passeios e parques, o pormenor de aspersores de água ajuda a combater o calor implacável que se faz sentir em Julho e Agosto.



 Para os mais velhos estão espalhados locais de descanso, com pormenores tradicionais e elementos naturais.



 Sendo o espaço horizontal precioso, há que explorar a componente vertical para ter espaços de lazer, como campos de futebol. E se reparar bem por trás dos edifícios, lá estão as montanhas, cheias de vegetação.



Foto que podia servir de exemplar a um manual de como planear cidades: habitação, escritórios, circulação, elementos naturais e serviços.



Nas traseiras de alguns dos enormes blocos de apartamentos pode-se ver a moldura natural do início das montanhas. Vegetação que, constata-se no Outono, é de diferentes tipos e momentos de maturação, enriquecendo a matéria orgânica e evitando a homogeneidade que os fogos tanto gostam.




De maneira que, a curtas distâncias da floresta urbana, encontram-se verdadeiras pérolas de floresta verde, com recantos para comer, brincar ou passear ao longo de todo o ano.