Apesar do burburinho em redor, o som começa a fazer-se sentir, contornando as orelhas e invadindo os tímpanos sem cerimónia. O corpo fica leve, com alguma dormência e não fico indiferente. O meu tronco assemelha-se ao de uma árvore jovem, baloiçando ao vento, mas sem deixar de ter a raiz fixa. Os ombros começam a fazer uma espécie de exercícios de aquecimento, rodando, lentos e alternados. O pezinho, esse famoso batuque, pauta já o ritmo e as mãos parecem querer tocar um instrumento que não sei tocar nem está presente. Reparo que, por instinto, as sobrancelhas parecem um equalizador, nervosamente sensíveis ao que ouço.
Endireito-me na cadeira, descolando as costas do encosto e lavo o assento com o rabo, esfregando-o com ritmo. Agora confio na resistência da cadeira para que aguente a agitação com que a sobrecarrego. O espaço de dança já começou a ter pessoas e sinto vontade de me juntar. As pernas saltitam como se o chão estivesse em brasa. Os pés já não pousam mais. Os lábios abrem e fecham numa linguagem inaudível, a linguagem dos maestros que assistem ao resultado da sua batuta, trauteando os ritmos em silêncio.
Salto da cadeira, não sei se empurrado pela coragem ou à procura dela, com os braços flectidos e agitados em jeito de corrida. Olhos fechados. Começo um jogo de ancas numa finta eterna das pernas, sem bola nem adversário. Nem a corrida me tira dali, nem a finta me dá algum golo. Semicerro os olhos com timidez, levantando, pelo mínimo, as pálpebras. Vejo em meu redor, mas através da cortina das pestanas. Os ombros agitam-se ao estilo de pugilista antes da competição, mas os braços desmancham qualquer agressividade, não saindo da zona da cintura. Às tantas são as ancas que me puxam para o lado esquerdo, desenhando um arco com o corpo. Os pés dão pequenos saltos para o mesmo lado, numa divertida fuga à presa invisível. O exercício repete-se para a direita, e para a esquerda... Solto um sorriso aberto, cheio de energia. Não estou ligado à corrente eléctrica. Melhor que isso, tenho baterias próprias todas bem carregadas. Murmuro o refrão dando força à dança. Não que pense em parar antes do fim da música, mas injecta-me nova energia para variar a coreografia, num bailado que já pouco tem de geométrico e se deixa ir...
Esta é uma das componentes da famosa magia de África, que muitos falam mas que poucos a sabem explicar completamente. Esta magia tem pregos que nos picotam o cu e nos atiraram para uma pista de dança, improvisada como não...